Jornal do Professor

Ano VIII - nº 2 - Setembro de 2004voltar


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A arte da tolerância

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Tolerância é a capacidade de aceitar o diferente. Não confundir com o divergente. Intolerância é não suportar a pluralidade de opiniões e posições, crenças e idéias, como se a verdade fizesse morada em mim e todos devessem buscar a luz sob o meu teto.

Conta a parábola que um pregador reuniu milhares de chineses para pregar-lhes a verdade. Ao final do sermão, em vez de aplausos, houve um grande silêncio. Até que uma voz se levantou ao fundo: “O que o senhor disse não é a verdade”. O pregador indignou-se: “Como não é verdade? Eu anunciei o que foi revelado pelos céus!” O objetante retrucou: “Existem três verdades: a do senhor, a minha e a verdade verdadeira. Nós dois, juntos, devemos buscar a verdade verdadeira”.

Todo intolerante é um inseguro. Por isso, aferra-se a seus caprichos como um náufrago à tábua que o mantém à tona. Ele não é capaz de ver o outro como outro. A seus olhos, o outro é um concorrente, um inimigo ou, como diz um personagem de Sartre, “o inferno”. Ou um potencial discípulo que deve acatar docilmente suas opiniões. O tolerante evita colonizar a consciência alheia. Admite que, da verdade, apreende apenas alguns fragmentos, e que ela só pode ser alcançada por esforço comunitário. Reconhece no outro a alteridade radical, singular, que jamais deve ser negada.

Pode-se aplicar ao tolerante o perfil descrito por São Paulo no Hino ao Amor da 1ª carta aos Coríntios (13,4-7): é paciente e prestativo, não é invejoso nem se ostenta, não se incha de orgulho e nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita nem guarda rancor. Não se alegra com a injustiça e se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Ser tolerante não significa ser bobo. Tolerância não é sinônimo de tolice. O tolerante não desata tempestade em copo d’água, não troca o atacado pelo varejo.

Ele jamais cede quando se trata de defender a justiça, a dignidade e a honra, bem como o direito de cada um ter seus princípios e agir conforme sua consciência, desde que isso não resulte em opressão ou exclusão, humilhação ou morte.

Das intolerâncias, a mais repugnante é a religiosa, pois divide o que Deus uniu. Quem somos nós para, em nome de Deus, decretar se esses são os eleitos e, aqueles, os condenados?

Só o amor torna um coração verdadeiramente tolerante. Porque quem ama não contabiliza ações e reações do ser amado e faz da sua vida um gesto de doação.

Publicado no site www.dhnet.org.br

Frei Betto, escritor e assessor especial da Presidência da República